21/11/2008

NOSSA MÚSICA (Notre Musique) *


"Nossa Música, de Jean-Luc Godard, se divide em três partes (ou Reinos, como ele prefere):

1º Reino - Inferno: Guerra, explosões, violência, tiros, máquinas de guerra, pessoas mortas. Cenas alternadas de documentários e filmes de ficção, numa montagem frenética, vertiginosa, para que o espectador possa sentir todo aquele terror, o inferno na Terra. Dentre as cenas de filmes, trechos de Alexandre Nevsky, Que Viva México (ambos de Serguei Eisenstein), A Morte Num Beijo (Robert Aldrich), Zulu (Cy Endfield), entre outros. Uma voz feminina, em "off", diz: "A duas maneiras de encarar a morte: como o impossível do possível ou como o possível do impossível. Ou "eu" ser outro".

2º Reino - Purgatório: Nesta parte Godard aparece como ele mesmo. Ele encontra-se em Sarajevo, no Encontro Literário Europeu, para dar uma palestra sobre texto e imagem. Escritores de várias partes do mundo participam do evento: espanhóis, palestinos, russos, 3 americanos de origem indígena (que servem para que ele possa criticar o genocídio de uma raça e de uma cultura), etc. Alguém pergunta: "Gostaria de saber porque os homens mais humanos não fazem a revolução?" Godard responde: "Porque os homens mais humanos constroem bibliotecas...e cemitérios". Eles vão visitar a biblioteca da cidade, no caminho o escritor espanhol diz: "Matar um homem para defender uma idéia não é defender uma idéia, é matar um homem". A biblioteca foi destruída durante a guerra civil e agora passa por uma reforma. Uma menininha vai com o pai doar um livro. Esta parte do filme trata justamente disso, de uma cidade, um país que ressurge das cinzas da guerra, tenta se reerguer, voltar a viver normalmente, recuperar o passado para poder enfrentar o futuro, como vemos nesta seqüência e na visita a ponte de Mostad, construída no séc. XVI e dinamitada na guerra, tendo agora suas pedras encaixadas umas nas outras, como num grande quebra-cabeças.

Outra seqüência inesquecível é a entrevista que o escritor palestino dá para a jornalista de origem judaica. Ele começa dizendo que a história de Tróia foi contada por um poeta grego, e questiona: Será que um país que possua grandes poetas tem o direito de destruir um país sem poetas? A conversa entre os dois gira em torno da questão entre Palestina e Israel, o conflito árabe-judaico, quem é o vencedor, quem é o vencido.

Nesta parte temos também a aula de Godard em que ele trata do procedimento mais básico da linguagem cinematográfica, a montagem em campo-contracampo, justamente para questionar essa prática. O que é uma imagem, qual o significado de um plano, qual a diferença entre o real e o imaginário, o documentário e a ficção, para que serve o cinema. São todas questões levantadas por ele. Quando alguém lhe pergunta se o digital vai substituir a película, o Mestre se cala. Esses poucos minutos do filme servem como um curso inteiro de cinema.

O Purgatório se encerra com o suicídio da jovem jornalista judia.

3º Reino: Paraíso: Acompanhamos a jornalista caminhando por um bosque, por onde passa um rio de águas calmas. Este Paraíso é guardado por marines americanos, mas eles parecem mais interessados em pescar. Ela cruza com alguns jovens que brincam ou lêem um livro. Tudo é paz e tranquilidade. Ela finalmente se senta ao lado de um rapaz e os dois dividem uma maçã.

Neste belíssimo filme, Godard comprova que, aos 74 anos, continua sendo o mais revolucionário dos cineastas, sempre inventando novas formas de narrar um filme, e procurando respostas para os graves problemas que afligem a humanidade."

* Publicado originalmente no dia 11/02/05, no blogue antigo.

Este filme será exibido sábado, dia 22, às 06:30hs, no Telecine Cult.

Lançado em DVD pela Califórnia Filmes.


9 comentários:

Ronald Perrone disse...

Poxa, pena que eu estava viajando, senão teria visto de novo. Ainda mais depois de ler este seu ótimo texto, Sérgio. Um abraço!

Anônimo disse...

Pena mesmo, Ronald. Godard é desses diretores que devem ser visitados constantemente. Mas fique atento que logo deverão estar reprisando.
Abraço!

Anônimo disse...

Esse filme é lindíssimo! Lembro que vi na estréia.

Anônimo disse...

Não vi esse, mas sempre desconfio de seus filmes mais recentes. Mas esse parece bem interessante.

Anônimo disse...

É mesmo, Graciele.

Veja, Vlademir. Você não vai se arrepender.

Anônimo disse...

Olá

Aqui é o Roberto Acioli.

Acho uma pena que seja tão difícil encontrar dvd's dos filmes do Godard no Brasil. Infelizmente, a distribuidora que mais lança é uma tal de continental [quem se disfarça também em algumas marcas de fantasia: Magnus Opus, Silver Screen, Intercontinental e outras]. É fácil identificar seus dvd's. A embalagem parece tirada direto do lixão mais próximo, além disso quase sempre os dvd's vem ARRANHADOS E COM MARCAS DE DEDOS. Depois de ficar anos me sugeitando a pagar por isso, resolvi parar e não compro mais nada dessa distribuidora [mesmo correndo o risco de perder muitas e muitas perolas que ninguém mais quer lançar].

É curioso como os grandes filmes do cinema europeu estão cada vez mais relegadas ao esquecimento. Outro dia, entrei numa locadora e perguntei se tinha cinema europeu. O funcionario já ia se preparando para procurar um filme com esse título quando eu expliquei que estava me referindo à filmes DA Europa... Triste!

A propósito, acho que já te avisei que já postei o artigo sobre 'O Conformista' [no blog do Cinema Italiano].

O artigo sobre 'Berlin Alexanderplatz' do Fassbinder está em construção.

Até

Anônimo disse...

Oi, Roberto.

Excelente comentário!
Pois é, tenho um amigo que costuma se referir a essa distribuidora (e suas ramais) como "aquela da bandeira com a caveira e as tíbias cruzadas" hehehe!
O pior é que eles acabam de lançar várias outras raridades de Godard, como "Masculino Feminino" e "Made in USA".
Dia desses fui pegar um livro reservado na Livraria Cultura e aproveitei para conferir o setor de DVDs. Qual não foi minha surpresa ao ver que eles lançaram vários Ozus e, mais surpreendente ainda, a "Trilogia de Apu", de Satyajit Ray!!!
O problema é que a gente sempre fica com um pé atrás em relação aqueles problemas com as cópias que você mencionou.

Muito engraçada essa história da locadora. Já passei por situações semelhantes.

Já li o artigo sobre "O Conformista", muito bom!

Abraço!

Anônimo disse...

Olá

Acho que se um diretor pode ser um psiquiatra, então Fassbinder é o melhor: porque ele já começa a seção sem cobrar e confessando que também viaja em seus delírios. Veja o caso de Berlin Alexanderplatz aqui: http://cinemaeuropeu.blogspot.com/2008/11/berlin-alexanderplatz-i.html

Voltando ao ssunto da Continental e seus disfarces. Concordo que é difícil deixar de lado as coisas que eles lançam, mas só de pensar em tudo que eles sonegam enquanto outras distribuidoras se viram para pagar os impostos isso me reviva o estômago.

Por outro lado, apesar daquela embalagem ser nogenta, acabei concluíndo que ela é uma das que danifica menos os dvd's [se bem que no caso deles devem usar porque o dvd deles deve ser super frágil]. veja aqui: http://dvdmagazine.virgula.com.br/zapeando/embalagens.html

Mas devo admitir também que mesmo distribuidoras de dvd's que oferecem dvd's "de verdade" são capazes de grandes barbaridades. Por exemplo, tem um filme do Wim Wenders que saiu pela Europa filmes chamado No Decurso do Tempo. Primeiro que o filme é de 1976, e a Europa só coloca o ano em que ela lançou o filme: 2007.

Em segundo lugar, e mais bizarro do que tudo, tem uma fala onde se pode ler na legenda que "os yankees domesticaram nossa telefonia". Só que a tradução correta é: "OS YANKEES DOMESTICARAM NOSSO SUBCONSCIENTE" !!!!!!!

Mandei um e-mail prá eles esculhambando. Evidentemente, não responderam.

Um abraço do Roberto Acioli

Anônimo disse...

Fala, Roberto!

Concordo que o que a Continental faz é revoltante. A Versátil, uma das melhores empresas do ramo no país, estava para lançar o Decálogo, do Kieslowski, quando a Continental se antecipou e lançou a obra-prima do polonês numa cópia pífia.

Muito bom o artigo sobre as embalagens. Bom saber que tem quem se preocupe com o assunto por aqui.

E isso que você falou sobre os erros de informação nas capas e principalmente nas legendas é verdade mesmo, os exemplos dariam para escrever um livro hehe!

Abraço!

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