07/12/2010

O IRMÃO QUE VEIO DE OUTRO PLANETA


Mais um filme de John Sayles saindo em DVD, o que me motivou a republicar um texto antigo:

Um alienígena, devido a um problema em sua nave espacial, cai na Terra, mais especificamente na ilha de Ellis, ponto de entrada de Nova York. Desnorteado, passa a vagar pelas ruas vestido como um mendigo, até chegar no bairro do Harlem. Apesar de ser mudo, aos poucos ele vai fazendo amizades e arruma um emprego. Mas dois Homens de Preto estão à sua procura.
Assisti a esse filme pela primeira vez em 1985, na 9. Mostra de São Paulo, sem legendas (naquela época muitos filmes passavam sem legendas, ainda não havia sido inventada a legenda eletrônica). Apesar de não ter entendido muitos dos diálogos, a trama básica era bastante clara, e o filme me impressionou muito bem. Nunca mais o revi, mas muitas cenas ficaram guardadas em minha memória.
Passados quase 20 anos finalmente pude revê-lo, e constatei que o filme não envelheceu, muito pelo contrário.
John Sayles faz aqui uma alegoria sobre imigração ilegal e racismo na América. O alienígena, além de mudo e não entender uma palavra em inglês, é negro.
Tal como um náufrago numa ilha deserta, ele terá que aprender a sobreviver naquele local inóspito onde se encontra, no caso o bairro do Harlem.
Observador, ele vai descobrindo quais são as regras, os códigos e os símbolos que movem aquela sociedade.
A primeira coisa que aprende é que para obter comida é preciso ter dinheiro.
Como tem o poder de consertar máquinas de fliperama apenas com um toque das mãos, logo consegue emprego numa oficina de máquinas quebradas.
Uma noite, ao ser assaltado, ele descobrirá outro lado da América, o submundo das drogas. Ao encontrar, mais tarde, um dos assaltantes morto por overdose, por curiosidade ele se aplicará uma dose de cocaina. O que se segue é uma das mais brilhantes sequências do filme, em que o alienígena será guiado por uma figura meio diabólica, numa atmosfera de pesadelo, ao inferno da noite do bairro, com seus drogados, seus mendigos, suas prostitutas, seus malucos de toda espécie, seus habitantes solitários e desesperados. A brilhante fotografia de Ernest R. Dickerson, o mesmo dos filmes de Spike Lee, aqui chega ao seu ápice.
O filme foi realizado com um orçamento dos mais modestos, mas o que conta é a criatividade do diretor. A nave espacial limita-se a algumas luzinhas que acendem e apagam, os pés do alienígena tem apenas três dedos, e um dos olhos serve como uma pequena câmera, que ele retira da órbita para poder gravar os traficantes em ação.
Joe Morton está fantástico no papel, passando os sentimentos do personagem apenas com a expressão facial e o gestual do corpo. Aliás todo o elenco está bem: os amigos do bar, a viúva com o filho pequeno que lhe dá abrigo, a cantora da noite com a qual ele tem um affair. Como os Homens de Preto (muito distantes dos simpáticos MIB de Tommy Lee Jones e Will Smith) temos David Strathairn e o próprio diretor John Sayles (ele quase sempre se reserva um papel). Como sempre Sayles dirige, escreve e edita (ou seja, é um autor completo). Na ficha técnica encontramos vários atores (Morton, Strathairn, Caroline Aaron) e técnicos que trabalham regularmente em seus filmes.



Publicado originalmente no dia 28/01/05, no blog antigo.

5 comentários:

Vlademir disse...

Ótimo texto, Sergio. Ainda outro dia vinha pensando no Sayles, em procurar os filmes mais antigos dele, especialmente os primeiros. Deve ser um diretor que merece uma revisita.

Sergio Andrade disse...

Obrigado, Vlademir. Sou suspeito para falar, pois Sayles é um dos meus cineastas preferidos, então acho que você deve procurar os filmes dele sim.

Um abraço!

Eduardo Aguilar disse...

Sayles tb está entre os meus cineastas preferidos, arrisco dizer que entre os cineastas vivos eu o coloco no meu TOP 10! Tb. vi o filme na mostra e após ler seu texto deu uma enorme vontade de rever, em especial a seq. q. vc. destaca, será q. encontramos fácil no youtube? Sou péssimo de pesquisas -rsrs-. Preciso rever e ver mais filmes de Sayles.

Gde abraço, Edú

Eduardo Aguilar disse...

Em tempo: outro dia peguei na tv aberta um filme assinado pelo Dickerson, nossa, era muiiiito ruim! O cara, assim com aquele fotografo do Lumet q. dirigiu uns filmes do Seagal devia ficar só na luz.

Sergio Andrade disse...

Edú, o Sayles é um grande cineasta, infelizmente ainda pouco conhecido ou valorizado. O DVD já está disponível, mas você pode ir matando a saudade vendo aquela brilhante sequência aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=wq1JJvxjbYc

Não vi nenhum dos filmes do Dickerson como diretor. Esse fotografo do Lumet deve ser o Bartkowiac, não? Vi um filme dele com o Jet Li, "Romeu tem que morrer", que é até divertido, mas tem razão, eles deveriam ficar apenas na foto hehehe!

Abração!

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