16/02/2010

A FITA BRANCA

A queda do cavalo de um médico de uma pequena aldeia alemã, provocada por um fio de arame amarrado entre duas árvores, é o primeiro de uma série de fatos misteriosos que acontecerão no local. Logo em seguida a mulher de um lavrador morre ao cair num buraco na serraria; crianças são agredidas por um desconhecido; um depósito da fazenda do barão é incendiado, etc. A estória é narrada pelo professor da aldeia, muitos anos depois do acontecido, e desde o princípio ele deixa claro que os fatos podem não ter acontecido daquela forma, pois a memória falha e outras coisas foram contadas a ele por terceiros, com possíveis distorções.
O que vemos então é a vida tranquila de um vilarejo, às vésperas da I Guerra Mundial, ser perturbada por uma violência que foge à compreensão e à explicações lógicas. Nesse pequeno universo onde as mulheres são vistas como meros objetos e os empregados não têm direito de reclamar dos patrões, as crianças são as maiores vítimas. Durante todo o tempo veremos elas serem punidas por pais severos; agredidas física e verbalmente; vítimas de abuso sexual, sem possibilidade de protesto. Até mesmo o professor/narrador acabará acusando as crianças de serem responsáveis pelos fatos misteriosos.
Os sentimentos represados de mulheres, empregados e crianças formam um caldeirão prestes a explodir. Desse modo têm razão os que dizem que o filme não é sobre a gestação do nazismo, mas de qualquer "ismo" que o mundo sofreu e continua sofrendo: nazismo, claro, mas também fascismo, comunismo, stalinismo, fundamentalismo...

A fita branca do título é uma fita que o pastor protestante coloca nos filhos para lembrá-los que pecaram contra a pureza e a inocência. Mas essa pureza e inocência foram conspurcadas por ele próprio.

É bom que se diga, no entanto, que as crianças não são totalmente inocentes, pois cometem algumas maldades entre elas, e há uma ambiguidade no modo como se comportam. O que remete a alguns clássicos sobre o mundo da infância, tipo "Aldeia dos Amaldiçoados", "Os Inocentes", "Os Meninos", "O Espírito da Colméia", "Cria Cuervos", entre outros.

A direção de Michael Haneke é de uma precisão absoluta, merecendo todos os prêmios que vem recebendo. A fotografia em preto e branco de Christian Berger é estupenda (e ele concorre ao Oscar). E no elenco, onde despontam alguns nomes conhecidos (Ulrich Tukur, Susanne Lothar, Josef Bierbichler), o destaque vai para o elenco infantil, que transmite a inocência da idade, mas também a revolta muda, o medo, a vergonha, a alegria, o ódio, todas as emoções humanas, enfim. Obra-prima.

7 comentários:

Ronald Perrone disse...

Que beleza, Sergio! Adoro o Haneke. O filme estreou aqui em Vitória. Devo assistir amanhã e depois comento o que achei...

Grande Abraço!

Sergio Andrade disse...

Que bom que já estreou ai, Ronald! Aguardo sua crítica.

Abraço!

Francisco Sobreira disse...

Sérgio,
Pelo que você diz (e bem) na sua resenha, o filme merece ser visto. Conheço só 3 filmes de Haneke: A Professora de Piano, Violência Gratuita (a primeira versão, já que dizem que ele fez uma refilmagem para o cinema americano) e Caché. Gosto mais dos 2 primeiros. Um abraço.

Moacy Cirne disse...

Como estou em Natal
(para mais uma temporada),
não sei quando o verei.
Mas, claro, vou ficar atento.
Nem tudo está perdido por aqui: 'Guerra ao terror' e 'Abraços partidos' encontram-se em cartaz.

Um abraço.

Sergio disse...

Sobreira, é um grande filme. Gosto da grande maioria dos filmes dele, inclusive a versão americana de "Funny Games".

Moacy, espero que você o assista em breve.

Abraços!

Cristiano Contreiras disse...

Todos comentando desse filme, preciso absorvê-lo logo!

Sergio Andrade disse...

Veja sim, meu caro, grande filme!

Pesquisa do Blog