2 recentes filmes nacionais estão entre os mais polêmicos dos últimos anos, a tal ponto que criou-se uma divisão entre os críticos dos mais importantes jornais daqui de São Paulo: de um lado estariam o Mertem e o Zanin, do Estadão, dispostos a defender qualquer filme brasileiro; do outro o Inácio, da Folha (o único que importa, na verdade), contrário ao nosso cinema. Claro que nada é tão simples assim, e nem creio que isso seja verdadeiro. Mas como, apesar de ser assinante do Estadão, não rezo pela cartilha de nenhum dos três, sinto-me isento para também dar meus pitacos nessa polêmica.
Baseado no livro de Frei Betto, "Batismo de Sangue", de Helvécio Ratton, mostra o envolvimento de freis dominicanos com a luta armada durante a ditadura militar.
Alguns criticaram o filme por seu didatismo, pelos chavões, frases feitas, palavras de ordem que saem da boca dos personagens. Sim, isso tudo está no filme, mas nos primeiros 10, 15 minutos. Depois que o diretor se concentra no drama dos freis, que são presos e torturados, o discurso panfletário acaba sendo deixado de lado. Aliás, tem uma pequena cena quando o Frei Betto, fugitivo da polícia, está num bar e vê pela televisão a notícia da morte de Carlos Marighella. Ele olha em volta e nenhum dos clientes parece ter prestado atenção no que foi noticiado. É uma forma sutil do Ratton mostrar que uma das esperanças da esquerda na época, a de que o povo, quando se conscientizasse do que estava acontecendo no país, iria pegar em armas era apenas uma ilusão.
Muito se criticou também as cenas de tortura, mas elas ocupam pouco tempo na tela, e depois não são gratuitas, mas respondem a uma necessidade dramatúrgica. E porque não mostrar o que acontecia nos porões da ditadura? Essas cenas possuem um componente ético, sim!
Outro ponto negativo seria o modo caricatural com que é retratado o delegado Fleury, na interpretação de Cássio Gabus Mendes. Bem, ele é visto apenas no "trabalho" (e nos pesadelos de Frei Tito), e todos os depoimentos afirmam que ele agia daquela forma mesmo. Lembro que Bruno Barreto foi criticado pelo motivo inverso, ao tentar humanizar seu torturador numa cena com a família, em "O Que é Isso, Companheiro?". O que aconteceria caso Helvécio Ratton tivesse tido a mesma idéia?
Felizmente parece que Batismo de Sangue tem sido visto com atenção pelo público jovem, que tem interesse em saber mais sobre aquele triste período de nossa história.
Para finalizar, não posso deixar de comentar suas qualidades fílmicas, como uma precisa reconstituição de época, fotografia, cenografia (as cenas no presídio são magníficas), interpretações, onde se destaca Caio Blat no complexo papel de Frei Tito. Sem esquecer da belíssima música de Marco Antônio Guimarães, líder do grupo Uakti, que brilha em especial em toda seqüência final no mosteiro da França.
P.S.: Ia comentar também "Proibido Proibir" do Jorge Durán, mas esse texto acabou ficando mais longo do que pretendia, e cansei de escrever por hoje. Então deixo para comentar o filme do Durán outro dia. Mas vou adiantando que gostei!
6 comentários:
Sergio, cada vez mais tenho curtido esses seus textos sobre filmes que não têm unanimidade da crítica, mas, nem por isso, são isentos de valor. Muito legal.
Graciele, Batismo de Sangue é um belo filme. Se você ainda não viu, não perca.
Cara, se fosse escrever um texto sobre esse filme, seria esse! Muito bom!!!
É a mesma coisa q. pensei ao sair da sala de cinema, e acho até q. os diálogos panfletários são necessários, eles traduzem um certa ingenuidade corroborada por essa cena q. vc. citou da morte do Marighella via tv e qm. viveu a época sabe q. as frases eram ditas daquela forma, mesmo!
E eu tive a honra de trabalhar com o Caio Blat num curta, puta ator!
E esse papo de querer humanizar o delegado Fleury é de uma viadagem sem fim na nossa crítica, pq. não falam em humanizar a família de "Menina de Ouro"? Ah, tenha santa paciência!
Fala, Edú!
Continuamos antenados, hein? É isso mesmo, o discurso é necessário para que o espectador de hoje entenda como era o pensamento daquelas pessoas na época retratada.
Eu nunca gostei muito do Caio Blat, ele sempre me passava um ar de arrogância, mas depois de tê-lo visto em Batismo de Sangue, Proibido Proibir e Baixio das Bestas dou minha mão a palmatória. É o ator do ano!
E quem quer humanizar o Fleury merece um castigo eterno: ser torturado para sempre por ele! hehehe!
Abração!
Eu estava desanimado pra ver esse filme (principalmente porque vi Rádio Favela do Ratton), mas depois que vi depoimentos contudentes como o do Serjão e do Aguilar, é capaz de eu ir ver o filme.
Matheus, vá ver sim, é o melhor filme do Ratton. Depois me diga o que achou.
Um abraço!
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