08/07/2013

KÔJI WAKAMATSU



O cinema tem dessas magias. Se os filmes atuais em sua grande maioria não nos entusiasmam muito sempre podemos descobrir diretores de outras épocas. Recentemente tive a oportunidade de assistir oito filmes do japonês Kôji Wakamatsu, antes que o You Tube encerrasse uma das contas mais bacanas do site (o que é uma idiotice, já que os filmes continuarão sendo compartilhados de outras formas bem menos legais). Mas voltemos ao Wakamatsu, um dos cineastas mais prolixos do mundo, tendo dirigido mais de 100 filmes numa carreira iniciada em 1963 e encerrada em 2012 (teve ano que lançou 11 filmes!) e que, no entanto ainda é pouco conhecido ou comentado. Não acho que esteja entre os grandes diretores do Japão (Shohei Imamura, Shohei Imamura, Shohei Imamura), mas seus filmes são sempre instigantes, tirando o espectador da sua zona de conforto.

Comecemos pelo mais antigo, "Secrets Behind the Wall" (Kabe no Naka no Himegoto, 1965). As vidas de algumas pessoas se cruzam num conjunto habitacional, principalmente a de um jovem estudando para entrar na faculdade e uma dona de casa que tem caso extraconjugal com um antigo companheiro de luta política. A narrativa segue num  ritmo tranquilo até que, quando do choque entre a impessoalidade dos apartamentos do conjunto e a pressão familiar, a violência surge de forma totalmente selvagem e inesperada.

Em "The Embryo Hunts in Secret", (Taiji ga Mitsuryô Suru Toki, 1966), o gerente de uma firma mantém uma funcionária refém em seu apartamento, submetendo-a a torturas físicas e psicológicas. Nunca uma personagem foi tão chicoteada num filme como aqui (eu pelo menos não lembro, no momento, de ter visto algo semelhante).


"Season of Terror", (Gendai Kosyokuden: Teroru no Kisetsu, 1969) se passa no mesmo conjunto habitacional de "Secret Behind the Wall". Desta vez dois policiais ficam vigiando o que se passa no apartamento de um rapaz suspeito de atos subversivos, mas através da escuta tudo o que eles ouvem é o rapaz transando com suas duas namoradas. A visita inesperada de um companheiro irá provocar uma radical mudança na situação.

"Violence Without a Cause" (Gendai sei Hanzai Zekkyo hen: Riyu Naki Boko, 1969) mostra três jovens proletários que se vingam das frustrações de suas vidas vagabundeando pelas ruas e violentando garotas. Num momento antológico a quarta parede é quebrada quando, ao reclamar das mazelas da vida, um dos jovens discursa diretamente para a câmera.

A garota de "Go, Go Second Time Virgin" (Yuke Yuke Nidome no Shojo, 1969) é violentada por um grupo de vadios no topo de um prédio. O tímido filho do zelador inicia uma amizade com ela, até que a volta dos estupradores provocará uma reação descontrolada dos dois. Geralmente Wakamatsu é relacionado ao gênero Pinku Eiga, e o que sobressai neste e nos dois filmes anteriores é a atmosfera melancólica acentuada pela trilha sonora jazzística, apesar da nudez constante de suas jovens protagonistas. E os cinco terminam de forma niilista.

"Shinjuku Mad" (Shinjuku Maddo, 1970) tem uma mudança de tom: um senhor de meia idade, morador de uma cidade do interior, vai para Tóquio à procura do assassino do filho. Ele conhecerá a degradação da cidade grande e ao final terá suas convicções colocadas à prova ao encontrar os culpados, um grupo de jovens liderados pelo tal Shinjuku Mad do título e que dizem lutar por uma vaguíssima ideia do que seja revolução.

Nesses filmes o cineasta demonstra desencanto em relação à política. Fica difícil, então, saber por que cometeu "Red Army-PFLP: Declaration of World War" (Sekigun-PFLP: Sekai Senso Sengen, 1971). Co-dirigido por Masao Adachi, é um documentário militante anti-imperialismo, anti-sionista, anti-Israel, pró-Palestina, a favor da luta armada. Como todo filme desse tipo envelheceu mal.

"Caterpillar" (Kyatapirâ, 2010) concorreu no Festival de Berlim, e é uma feroz crítica ao militarismo. Durante a Segunda Guerra Mundial, um soldado do Império retorna ao seu povoado terrivelmente mutilado, apenas cabeça e tronco (o que remete ao episódio do Imamura no filme coletivo sobre o 11/09/2001). Sua esposa tendo dificuldade de lidar com a situação, o cara, chamado pelos moradores de Soldado Deus, passa a querer sexo o tempo todo e a humilha constantemente. Aos poucos vai surgindo um clima de guerra particular entre os dois. O último plano é do cogumelo atômico sobre Hiroshima. Não há possibilidade de redenção no cinema de Kôji Wakamatsu.


4 comentários:

Francisco Sobreira disse...

E aí, Sérgio, tudo bem? Venho com certa frequência aqui e me agrada que você continue com o seu blogue. Desconhecia esse diretor, e estranhei que ele não esteja incluído no dicionário de Jean Tulard, pois, pela sinopse que você divulga de alguns dos seus filmes, é um diretor que merece ser visto. Um grande abraço.

Sergio Andrade disse...

Obrigado, Sobreira! Não tenho atualizado o blog como gostaria, mas não quero abandoná-lo, continuarei postando sempre que tiver um tempinho. Quanto ao Wakamatsu, se ele não era conhecido aqui em São Paulo no auge das salas de cinema japonesas, duvido muito que fosse conhecido na França. Merece muito ser visto. Abs!

Anônimo disse...

Descobri Wakamatsu a cerca de um ano talvez, vi o Caterpillar recentemente e foi um filme que me marcou pois é simplesmente genial. O United Red Army foi o primeiro que vi dele, sem dúvida que mostra bem as suas convicções politicas. Agora com uma filmo grafia bastante extensa qual dos que você falou pensa ser melhor? Abraço.

Sergio Andrade disse...

O Caterpillar é um grande filme mesmo. Além desse documentário, ele fez também uma ficção sobre o United Red Army, que parece ser autobiográfico. Gostaria muito de assistir.
Meu top dele no momento:

1 - Caterpillar
2 - Go, go second time virgin
3 - Shinjuku Mad
4 - Secrets behind the wall
5 - Violence without a cause
6 - Season of terror
7 - The embryo hunts in secret
8 - Red Army-PFLP: Declaration of World War

Abs

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