O
cinema tem dessas magias. Se os filmes atuais em sua grande maioria não nos
entusiasmam muito sempre podemos descobrir diretores de outras épocas.
Recentemente tive a oportunidade de assistir oito filmes do japonês Kôji
Wakamatsu, antes que o You Tube encerrasse uma das contas mais bacanas do site
(o que é uma idiotice, já que os filmes continuarão sendo compartilhados de
outras formas bem menos legais). Mas voltemos ao Wakamatsu, um dos cineastas
mais prolixos do mundo, tendo dirigido mais de 100 filmes numa carreira
iniciada em 1963 e encerrada em 2012 (teve ano que lançou 11 filmes!) e que, no
entanto ainda é pouco conhecido ou comentado. Não acho que esteja entre os
grandes diretores do Japão (Shohei Imamura, Shohei Imamura, Shohei Imamura),
mas seus filmes são sempre instigantes, tirando o espectador da sua zona de
conforto.
Comecemos
pelo mais antigo, "Secrets Behind the Wall" (Kabe no Naka no Himegoto, 1965). As
vidas de algumas pessoas se cruzam num conjunto habitacional, principalmente a
de um jovem estudando para entrar na faculdade e uma dona de casa que tem caso extraconjugal
com um antigo companheiro de luta política. A narrativa segue num ritmo tranquilo até que, quando do choque
entre a impessoalidade dos apartamentos do conjunto e a pressão familiar, a
violência surge de forma totalmente selvagem e inesperada.
Em
"The Embryo Hunts in Secret", (Taiji ga Mitsuryô Suru Toki, 1966), o
gerente de uma firma mantém uma funcionária refém em seu apartamento,
submetendo-a a torturas físicas e psicológicas. Nunca uma personagem foi tão
chicoteada num filme como aqui (eu pelo menos não lembro, no momento, de ter
visto algo semelhante).
"Season
of Terror", (Gendai Kosyokuden: Teroru no Kisetsu, 1969) se passa no mesmo
conjunto habitacional de "Secret Behind the Wall". Desta vez dois
policiais ficam vigiando o que se passa no apartamento de um rapaz suspeito de
atos subversivos, mas através da escuta tudo o que eles ouvem é o rapaz
transando com suas duas namoradas. A visita inesperada de um companheiro irá
provocar uma radical mudança na situação.
"Violence
Without a Cause" (Gendai sei Hanzai Zekkyo hen: Riyu Naki Boko, 1969)
mostra três jovens proletários que se vingam das frustrações de suas vidas
vagabundeando pelas ruas e violentando garotas. Num momento antológico a quarta
parede é quebrada quando, ao reclamar das mazelas da vida, um dos jovens
discursa diretamente para a câmera.
A
garota de "Go, Go Second Time Virgin" (Yuke Yuke Nidome no Shojo, 1969) é
violentada por um grupo de vadios no topo de um prédio. O tímido filho do
zelador inicia uma amizade com ela, até que a volta dos estupradores provocará
uma reação descontrolada dos dois. Geralmente Wakamatsu é relacionado ao gênero
Pinku Eiga, e o que sobressai neste e nos dois filmes anteriores é a atmosfera
melancólica acentuada pela trilha sonora jazzística, apesar da nudez constante
de suas jovens protagonistas. E os cinco terminam de forma niilista.
"Shinjuku
Mad" (Shinjuku Maddo, 1970) tem uma mudança de tom: um senhor de meia idade,
morador de uma cidade do interior, vai para Tóquio à procura do assassino do
filho. Ele conhecerá a degradação da cidade grande e ao final terá suas convicções
colocadas à prova ao encontrar os culpados, um grupo de jovens liderados pelo
tal Shinjuku Mad do título e que dizem lutar por uma vaguíssima ideia do que
seja revolução.
Nesses
filmes o cineasta demonstra desencanto em relação à política. Fica difícil,
então, saber por que cometeu "Red Army-PFLP: Declaration of World War"
(Sekigun-PFLP: Sekai Senso Sengen, 1971). Co-dirigido por Masao Adachi, é um
documentário militante anti-imperialismo, anti-sionista, anti-Israel,
pró-Palestina, a favor da luta armada. Como todo filme desse tipo envelheceu
mal.
"Caterpillar"
(Kyatapirâ, 2010) concorreu no Festival de Berlim, e é uma feroz crítica ao
militarismo. Durante a Segunda Guerra Mundial, um soldado do Império retorna ao
seu povoado terrivelmente mutilado, apenas cabeça e tronco (o que remete ao
episódio do Imamura no filme coletivo sobre o 11/09/2001). Sua esposa tendo
dificuldade de lidar com a situação, o cara, chamado pelos moradores de Soldado
Deus, passa a querer sexo o tempo todo e a humilha constantemente. Aos poucos
vai surgindo um clima de guerra particular entre os dois. O último plano é do
cogumelo atômico sobre Hiroshima. Não há possibilidade de redenção no cinema de
Kôji Wakamatsu.
4 comentários:
E aí, Sérgio, tudo bem? Venho com certa frequência aqui e me agrada que você continue com o seu blogue. Desconhecia esse diretor, e estranhei que ele não esteja incluído no dicionário de Jean Tulard, pois, pela sinopse que você divulga de alguns dos seus filmes, é um diretor que merece ser visto. Um grande abraço.
Obrigado, Sobreira! Não tenho atualizado o blog como gostaria, mas não quero abandoná-lo, continuarei postando sempre que tiver um tempinho. Quanto ao Wakamatsu, se ele não era conhecido aqui em São Paulo no auge das salas de cinema japonesas, duvido muito que fosse conhecido na França. Merece muito ser visto. Abs!
Descobri Wakamatsu a cerca de um ano talvez, vi o Caterpillar recentemente e foi um filme que me marcou pois é simplesmente genial. O United Red Army foi o primeiro que vi dele, sem dúvida que mostra bem as suas convicções politicas. Agora com uma filmo grafia bastante extensa qual dos que você falou pensa ser melhor? Abraço.
O Caterpillar é um grande filme mesmo. Além desse documentário, ele fez também uma ficção sobre o United Red Army, que parece ser autobiográfico. Gostaria muito de assistir.
Meu top dele no momento:
1 - Caterpillar
2 - Go, go second time virgin
3 - Shinjuku Mad
4 - Secrets behind the wall
5 - Violence without a cause
6 - Season of terror
7 - The embryo hunts in secret
8 - Red Army-PFLP: Declaration of World War
Abs
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