19/11/2005

MARCAS DA VIOLÊNCIA


A violência tem um fator hereditário ou é algo intrínseco ao ser humano? Podemos fugir do passado? O que é identidade? E realidade? Conhecemos realmente a pessoa com a qual convivemos diariamente? Os Estados Unidos tem solução? Essas são algumas das (muitas) perguntas feitas por David Cronenberg em seu último filme. Só não espere que ele as responda.
O filme se estrutura em dois momentos. No primeiro temos uma perfeita família de classe média americana, moradora de uma pequena cidade do interior: pai, mãe e um casal de filhos. O pai, Tom Stall, é um membro respeitado da comunidade; o filho adolescente faz de tudo para não entrar numa briga com os valentões da escola; a menina, criança ainda, é adorável. E a esposa, bem, ela é linda e atenciosa. A relação dos dois é tão perfeita que tem direito até à realização de uma fantasia sexual.
Quando Tom, ao reagir de forma surpreendente à um assalto ao seu restaurante, mata os dois bandidos, imediatamente torna-se o herói local, com direito a reportagem em todos os canais de TV e fotos estampadas nos jornais
A fama inesperada faz com que aumente bastante o movimento no restaurante. Até que entram no estabelecimento 3 sujeitos, e um deles, com uma horrível cicatriz no olho esquerdo, afirma que Tom na verdade chama-se Joey. A partir daí, as coisas mudam de figura. A tensão e a dúvida provocarão uma crise na família. O filho, novamente provocado, dessa vez reagirá com extrema violência; a fantasia dará lugar a um ato sexual misturando prazer e dor, na escada da casa. O único membro da família que parece alheio a toda essa movimentação é a garotinha, mas voltaremos a ela mais à frente.
Resolvido o problema com os três sujeitos, Tom/Joey deverá finalmente encarar seu passado, quando ele recebe um telefonema do irmão pedindo que o encontre na Filadélfia.
É neste momento, quando ele chega na mansão do irmão que lembra um castelo medieval (e que remete à um período histórico dos mais violentos), que a arte de Cronenberg e seus fiéis colaboradores (música de Howard Shore; fotografia de Peter Suschitzky; montagem de Ronald Sanders; desenho de produção de Carol Spier) chega ao seu ponto mais alto.
Vencida as trevas, Tom/Joey, ao raiar do dia, poderá se lavar nas águas límpidas do rio, num ritual de purificação.
A cena final, com a família reunida em torno da mesa, já entrou para minha lista das melhores de todos os tempos, assim como o plano final no rosto de Viggo Mortensen (uma dessas cenas que justificam uma indicação ao Oscar). Todo o elenco, aliás, é digno de elogios. Maria Bello é a atriz americana mais corajosa do momento, o jovem Ashton Holmes é uma revelação, e Ed Harris e William Hurt, no pouco tempo que permanecem em cena, conseguem nos marcar profundamente.
Mas a personagem mais importante, a chave para se entender o que Cronenberg quer dizer, é a garotinha.
Ela não aparece muito, mas está presente em dois momentos fundamentais: após o prólogo com os bandidos, despertando de um pesadelo terrível com monstros; e repondo o pai no seio da família, ao colocar seu prato na mesa, na última seqüência.
Loiríssima, ela difere dos pais e do irmão. Sarah (nome bíblico), com seu rosto angelical, é o símbolo da pureza, ameaçada no início, recuperada ao final
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16 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pela sacada sobre a menina, de fato, agora parece óbvio, só q. eu não tinha feito essa 'ponte', sem querer me colocar no mesmo patamar dos seus textos (longe disso - hehehe), qdo escrevo sobre um filme, procuro na medida do possível, apontar um outro olhar além do q. já se sabe, nesse sentido, acho q. as perguntas q. vc. levanta na abertura do texto, são pertinentes, mas não reveladoras, algumas já permeiam a obra de Cronenberg, mas o lance da menina, foi um olhar novo, acrescentou e muito.

Sobre nosso encontro, acho q. terá de ser no fim de semana, mesmo. Vamos manter contato em pvt.

Anônimo disse...

Fala, Eduardo! Seu comentário por aqui é sempre um Selo de Qualidade!!! Sim, é verdade, aquelas perguntas estão presentes na obra do Cronenberg, provando que ele é o grande autor do cinema atual. E em Marcas da Violência ele parece fazer um apanhado de todas elas. Creio mesmo que estamos diante do melhor filme do ano.
Combinado no fim de semana. A gente se fala. Abração!

Andrea Ormond disse...

Fala Sérgio, por coincidência hoje li sua resenha sobre o filme minutos antes de assistí-lo. Foi bom porque não precisei me esforçar muito para compreendê-lo, já que você o analisou muito bem, e ruim porque sabia exatamente o que ia acontecer :) Um grande abraço!

Anônimo disse...

Andréa, há quanto tempo!!! Seu comentário me deixou feliz por um lado, por você ter dito que o analisei bem, e preocupado por outro: será que fui muito explícito? Se fui, creia-me, não foi intencional. Se for o caso, talvez seja melhor eu deixar um alerta ao leitor para só ler a resenha após ter visto o filme, já que não quero tirar o prazer de ninguém. Abraço!

Andrea Ormond disse...

Oi Sergio, não foi muito explicito não, melhor não poderia ser e não me tirou o prazer, pelo contrário, só me acrescentou como toda excelente resenha :) Acontece que vc falou da cena final que era ótima, aí fiquei realmente esperando o filme todo por ela...E valeu à pena!rs Abraços!

Anônimo disse...

Andréa, agora entendi. Sinto-me aliviado..rss A cena final é maravilhosa mesmo! Abração!!!

Anônimo disse...

E aí, Sergio, valeu pela força de citar meu blog aqui em dois momentos distintos, um sobre o filme do Carlão e o outro sobre os Pumpkins! Sobre o filme do Cronenberg, não sei explicar o porquê de não ter me empolgado tanto como todo mundo. De fato ele está se enveredando por novos caminhos sem perder seu estilo e o significado do seu trabalho, mas não considero seu melhor filme.... abraço!

Anônimo disse...

Falou, Fernando! Quer dizer que não gostou do Marcas da Violência? Seria bom sabermos sua opinião. Pensa em fazer uma resenha? Abç!

Anônimo disse...

Uau! Eu não tinha pensado na possibilidade de analogia entre o fato do irmão do protagonista viver em uma mansão que remete a um Castelo Medieval com o período sangrento da História! Bingo!
Concordo absolutamente com vc, Sergio, a cena final está entre as melhores de todos os tempos!
Beijos!

Anônimo disse...

Graciele, "Marcas da Violência" é um filme bastante rico em significados. Que bom que você também gostou da cena final! Beijão!!

André disse...

Parabéns pelo ótimo texto, eu realmente não tinha sacado isso da menina. Definitivamente, merece várias revisões. O final é isso que voce disse: um dos melhores que já vi. Acompanho sempre seu blog, que é ótimo.

Anônimo disse...

Fala, André! Obrigado pelo ótimo..hehe Já estou me preparando para ver Marcas novamente. O final do filme já é antológico. Grande abraço!!

André disse...

Adicionado lá também, Sergio.

E realmente The Dead Zone é bem pouco conhecido do público geral. No meu caso, foi o segundo Cronenberg que vi (o primeiro foi "A Mosca").

grande abraço

Anônimo disse...

Valeu, André!

Mas vc deve ter estranhado bastante ter visto o "tranquilo" Dead Zone depois do "explosivo" A Mosca, não?

André disse...

Mais ou menos... eu era moleque e só vi A Mosca por causa da podreira e o Dead Zone por causa do Stephen King (depois que fui me ligar em quem era Cronenberg) =)

Anônimo disse...

Entendi, André..rss Vamos torcer para mais pessoas conhecerem Dead Zone. É um grande filme!

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